Arquivos do Mês de Abril 2009
Real Arco Inglês e Real Arco Americano ? HOMOLOGIA SOBRE A MESMA HISTÓRIA.
Postado Terça-feira, 14 Abril, 2009 as 11:54 AM pelo Ir:. Maicon Heise
Sempre causou certa curiosidade o 2º Landmark compilado por Albert Makey, o qual retratava coincidentemente o 2º artigo do Ato de União das duas Grandes Lojas Inglesas (“Act of Union”).
Por este artigo ou Landmark, “... a Antiga Instituição Maçônica consistia nos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, incluindo o Santo Arco Real”.
A interpretação deste Landmark leva-nos a crer que se trata de um grau dentro do simbolismo. Entretanto, ao pesquisar-se a maçonaria norte-americana, verificar-se-á que o Grau do Maçom do Real Arco é um grau filosófico, ligado a um Capítulo dos Maçons do Real Arco.
A confusão está formada... dois graus com o mesmo nome, sendo praticados de modo diferente: um como complemento do grau de mestre e, portanto, simbólico, e o outro como grau filosófico, ou ligado aos “Altos Graus” como definem alguns maçonólogos. Seriam eles graus totalmente distintos?
Se alguém tentasse solucionar esta confusão realizando as cerimônias dos dois graus, o Real Arco Americano e o Arco Real Inglês, provavelmente sairia mais confuso do que quando entrou, pois não encontraria diferença substancial alguma. E nem poderia ser diferente, pois trata-se do mesmo grau. E só se consegue entender esta confusão, se for estudada a história da formação das duas Grandes Lojas Inglesas, bem como parte da história da colonização e independência dos Estados Unidos. Vejamos.
CRIAÇÃO DA GRANDE LOJA DOS MODERNOS (1717)
Para tentar entender o que levou à criação de uma potência maçônica, objetivando a centralização das Lojas existentes, é preciso compreender as relações de poder entre as dinastias Stuart e Hanover.
Praticamente todos os conflitos ingleses se deram em razão de divergências religiosas, entre protestantes e católicos – aqui entendida a religião Católica Anglicana ou Católica Reformada.
Os Stuarts, protestantes, conseguiram de certa forma implantar a liberdade religiosa. Foi também na dinastia dos Stuarts que as associações e, principalmente, as Lojas Maçônicas, gozaram de extrema liberdade. É natural, portanto, que os maçons apoiassem os Stuarts.
Entretanto, com o exílio dos Stuarts na França, em 1688, quem acabou sucedendo o trono inglês foi George I, da dinastia dos Hanover.
Além de ser católico, o Rei George I era totalmente impopular. Nem falava a língua inglesa, o que gerou uma grande rejeição.
Percebe-se aqui que o apoio da maçonaria ao retorno dos Stuarts era óbvio, até pelo temor de um reinado conservador católico.
Por outro lado, as Lojas Maçônicas começaram a se transformar numa ameaça à dinastia dos Hanover, tendo em vista que a maçonaria era favorável aos Stuarts, como já visto, e o que se passava dentro das Lojas era um segredo inviolável guardado pelos juramentos.
Muitos maçonólogos atribuem a esses fatos históricos a criação da primeira Grande Loja, como forma de controlar as Lojas Maçônicas. Tal afirmação é reforçada se levarmos em conta que toda direção da primeira Grande Loja, inclusive o Grão Mestrado, era composta por nobres ligados ao Rei.
Nascia aqui, portanto, a Primeira Grande Loja, em 1717.
CRIAÇÃO DA GRANDE LOJA DOS ANTIGOS (1751)
Em 1723, o Reverendo Anderson elaborou a Constituição da Grande Loja dos Modernos, cujo conteúdo era extremamente cristão, o que o obrigou a fazer modificações no Segundo Livro das Constituições (1738), tornando as normas maçônicas mais “ecumênicas”.
Aliado a isso, muitos maçons não aderiram ao sistema de obediência imposto pela primeira Grande Loja.
Como se não bastasse, em 1730, Samuel Prichard publica o livro “Maçonaria Dissecada”, o qual narrava todos os segredos e mistérios dos graus. Isso obrigou a primeira Grande Loja a alterar os rituais, os sinais, toques e palavras. Tais alterações desagradaram muitos maçons puritanos, gerando uma repulsa ainda maior.
Em paralelo, no ano de 1740, os chamados altos graus começam a despertar o interesse dos maçons, e dentre eles se encontrava o Santo Arco Real. Vale lembrar que os altos graus não estavam subordinados à Grande Loja, pois ficavam fora do simbolismo.
Na década seguinte, em 1751, um grupo de maçons Irlandeses não foi aceito na primeira Grande Loja, pois esta potência já estava “elitizada”. Foi a gota d’água para a criação de outra potência, agregando todos os descontentes com a primeira Grande Loja.
Surge então, em 1751, a Grande Loja dos Antigos, assim auto-denominada em razão de tentarem resgatar as antigas tradições e rituais.
Como nesta época os altos graus já eram moda, a Grande Loja dos Antigos passou a trabalhar com o grau do Santo Arco Real, sendo por esse motivo denominada também de Grande Loja dos Quatro Graus. Eles tinham o Santo Arco Real como o complemento, ou até mesmo a própria conclusão do grau de Mestre, na medida em que, enquanto neste se fala em perda, no Arco Real se fala em reencontro e redescoberta.
Muitos maçons da Grande Loja dos Modernos passaram a procurar a Grande Loja dos Antigos, por causa do 4º Grau – Santo Arco Real - complemento indispensável a todo Mestre.
MAÇONARIA NA INDEPENDÊNCIA AMERICANA
O retrato acima era o panorama geral da maçonaria inglesa. Inclui-se a isso o fato de que a Grande Loja dos Antigos estreitou os laços com a Grande Loja da Escócia e com a Grande Loja da Irlanda.
Enquanto isso, no continente americano, existia o movimento de independência que sofreu os reflexos das brigas e intrigas das duas grandes lojas. Como era óbvio, do lado dos colonizadores ingleses ficou a Grande Loja dos Modernos.
Não é novidade, portanto, que a Grande Loja dos Antigos, Grande Loja da Irlanda e a Grande Loja da Escócia ficou do lado dos colonos americanos.
Com a vitória da independência americana, os maçons da Grande Loja dos Modernos retornaram à Inglaterra, prevalecendo a influência e a visão dos maçons da Grande Loja dos Antigos.
ORGANIZAÇÃO DO RITO DE YORK POR THOMAS SMITH WEBB (1797)
Os maçons norte americanos, já com o apoio irrestrito da Grande Loja dos Antigos, Grande Loja da Irlanda e Grande Loja da Escócia, começam a trabalhar com os rituais ingleses até que em 1797, Thomas Smith Webb organizou os graus simbólicos e “laterais” praticados na Inglaterra, criando o seu monitor, denominado The Freemason’s Monitor, o qual foi baseado na obra Illustrations of Masonry, de William Preston.
Em outras palavras, o que Thomas S. Webb fez foi nada mais nada menos do que agrupar os graus e ordens inglesas “laterais” num corpo filosófico (ou Altos Graus), e os colocou acima do simbolismo, criando uma verdadeira escada iniciática.
É bom lembrar que o Rito Escocês Antigo e Aceito foi compilado somente em 1801, em Charleston, com a criação do Supremo Conselho-Mãe, o qual funcionava, porém, sem um ritual próprio (o primeiro ritual do REAA foi criado em 1804).
Portanto, o Rito de York é mais antigo do que o REAA.
Desta forma, fica fácil compreender que os Estados Unidos adotaram o Rito de York, com os antigos rituais ingleses da maçonaria simbólica e os graus antes tidos como “laterais” foram escalonados num sistema de degraus, ficando acima dos graus simbólicos (universais) os seguintes graus: Mestre de Marca, Past-Master, Mui Excelente Mestre, Maçom do Real Arco, Mestre Real, Mestre Escolhido, Ordem da Cruz Vermelha, Ordem dos Cavaleiros de Malta e Ordem dos Cavaleiros Templários.
O grau do Real Arco foi incluído no sistema filosófico, ou de Altos Graus. E assim é trabalhado até hoje nos Estados Unidos e nos países que adotam o Rito de York.
UNIÃO DAS DUAS GRANDES LOJAS (1813)
Enquanto isso, na Inglaterra, são empossados no grão mestrado das duas grandes lojas os primos Duque de Sussex e Duque de Kant.
Tal grau de parentesco fez com que a união das duas Grandes Lojas fosse inevitável. E tal fato ocorreu em 1813.
Porém, ainda tinham que “alinhar” as duas Grandes Lojas, tendo em vista que a primeira Grande Loja, dos modernos, somente aceitava o simbolismo com três graus. Já a segunda, a Grande Loja dos Antigos, sempre trabalhou com os quatro graus (Santo Arco Real). Além disso, o grau do Arco Real sempre foi muito popular a ponto de despertar o interesse e curiosidade dos maçons pertencentes à Grande Loja dos Modernos.
É evidente também que, mantendo de alguma forma o Santo Arco Real dentro do simbolismo, a Grande Loja Unida poderia manter o seu controle sobre todas as Lojas e Capítulos.
Assim, a tarefa coube a algum iluminado que teve a brilhante idéia de criar uma maçonaria simbólica de três graus que, na realidade, eram quatro. Foi daí que surgiu o teor do 2º Artigo do Ato de União, e colacionado por Albert Mackey (“a Antiga Instituição Maçônica consistia nos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, incluindo o Santo Arco Real”).
Nesse quadro, o Santo Arco Real foi sacramentado, na Inglaterra, como um complemento ao grau de mestre, e não como uma seqüência deste, como é trabalhado nos Estados Unidos e nos países que adotam o Rito de York.
CONCLUSÃO
Diante deste breve esboço histórico, conclui-se que o grau do Real Arco é um só. Tanto o praticado na Inglaterra, como o praticado nos Estados Unidos.
Toda a lenda do grau é idêntica. As peculiaridades existentes entre um e outro dizem respeito apenas aos destaques dados a determinados trechos, o que evidentemente, não servem para diferenciá-los.
No Brasil, são praticados os dois graus. Pela linhagem inglesa, existe o Supremo Grande Capítulo dos Maçons do Arco Real do Brasil, sob jurisdição do Grande Oriente do Brasil, como é óbvio, pois na linhagem inglesa, o Arco Real é um complemento do grau de mestre, estando dentro do simbolismo. Portanto, não é vedado a algum Irmão ingressar numa Loja Simbólica portando a Jóia do Arco Real. Aliás, na Inglaterra isto é comum, o que demonstra o elo indissolúvel entre o Arco Real e a Maçonaria Simbólica.
Já pela linhagem norte-americana, existem os vários capítulos de Maçons do Real Arco, jurisdicionados ao Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil, sendo trabalhado como grau filosófico.
Capitulo Paulista n. 14 de Maçons do Real Arco do Brasil
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Em Busca de uma Tradição Inventada A partir de 1870.
Postado Quinta-feira, 09 Abril, 2009 as 1:18 PM pelo Ir:. Newton Pontes
A maçonaria elege Tiradentes como seu símbolo maior e reivindica a organização do levante dos inconfidentes...
A história é continuamente reescrita. À medida que a realidade presente muda, as interpretações acerca de um fato passado também são alteradas, buscando respostas que correspondam melhor às necessidades do tempo atual. Foi assim com a Inconfidência Mineira (1789). Poucos momentos foram tão debatidos, reescritos e apropriados quanto esse.
Durante boa parte do século XIX, a Inconfidência não assumiu lugar de destaque na historiografia brasileira. Tal situação modificou-se apenas na segunda metade do século, quando o princípio da nacionalidade tornou-se uma questão premente a ser resolvida. Urgia ao Brasil a construção de laços de pertencimento capazes de criar um sentimento nacionalista, e era fundamental encontrar os elementos fundadores da nação, construindo uma identidade que pudesse particularizá-la. Com o golpe militar que inaugurou a República em 1889, essas necessidades foram reforçadas. O regime instaurado de cima para baixo estava longe de apresentar-se como uma demanda da população em geral. Assim, era preciso legitimá-lo perante o povo, apresentando- o não como um elemento estranho à sociedade, mas sim como um desejo histórico presente havia muito tempo.
A solução para essas questões passava pela criação de um mito fundador que estabelecesse uma idéia de continuidade entre o fato presente e o passado brasileiro. Era necessário criar uma tradição republicana para a nação por meio de heróis que já tivessem ansiado pela implantação desse regime. Nessa ocasião, a Inconfidência Mineira e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiram com propriedade o papel de precursores da República.
A escolha de Tiradentes como herói nacional não é difícil de ser explicada. Com a publicação da obra de Joaquim Norberto de Souza e Silva, História da Conjuração Mineira (1873), que ressaltava o fervor religioso do personagem nos últimos momentos de sua vida, inúmeras representações simbólicas tornaram-se possíveis, aproximando-o à figura de Cristo. Outro fator importante para essa opção foi que o movimento não aconteceu efetivamente, o que poupou os inconfidentes do derramamento de sangue e os manteve imaculados. Eles foram apenas vítimas da violência, nunca agentes.
A Inconfidência como objeto passível de ser novamente apropriado permitiu à historiografia refazer as linhas gerais do levante sempre que a conjuntura política brasileira teve necessidade de reavivar o sentimento nacional. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do século XX. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo os militares de 1964, auto-intitulados “os novos inconfidentes”, apropriaram-se do fato histórico em favor de seus interesses políticos. Sob novas roupagens, o mito repetia-se incessantemente.
Contudo, não foram apenas os governos que utilizaram a influência do movimento e de seu herói. Muitas instituições também procuraram um “lugar ao sol” nessa festa de apropriações simbólicas. Foi o caso da maçonaria, que tomou Tiradentes como seu símbolo maior no Brasil ainda no século XIX. A partir de 1870, ocorreu um crescimento acelerado do número de lojas maçônicas no país e muitas delas foram batizadas de “Tiradentes”. Freqüentemente, suas bibliotecas tinham o inconfidente por patrono e até mesmo os jornais maçônicos carregavam seu nome. Já no século XX, Tiradentes pareceu ganhar em definitivo um lugar de destaque no panteão maçônico, tornando-se patrono da Academia Maçônica de Letras.
Mas por que esse mineiro poderia representar a maçonaria? Que legitimidade haveria nisso? “Simples”, responderiam os historiadores ligados a essa organização: Tiradentes teria sido maçom, e a Inconfidência Mineira, uma conspiração maçônica em prol da libertação nacional!
Muitos maçons, historiadores ou não, aventuraram-se a escrever sobre o episódio para desvendar sua “verdadeira” história e demonstrar o papel crucial da maçonaria na definição dos acontecimentos de 1789. Em geral, essas narrativas começam demonstrando que a Inconfidência não foi um episódio regional. Tal movimento teria feito parte de um projeto internacional elaborado para tornar livres todos os povos oprimidos. A Inconfidência, a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos seriam expressões de um mesmo fenômeno: o do anseio revolucionário por independência, democracia e liberdade que sacudiu a Europa e a América por meio das atividades maçônicas.
Desse modo, o sentimento nativista (ver glossário) não seria suficiente para explicar os anseios dos inconfidentes pela República. Acreditar apenas nisso, segundo os escritores da maçonaria, seria “ingenuidade e romantismo”. Os conspiradores mineiros agiriam inspirados não só pela idéia de nação brasileira, mas, principalmente, pelos sentimentos de sua organização. “Mirando-se no exemplo vitorioso da revolução americana guiada por George Washington, Thomas Jefferson, etc., (...) os líderes inconfidentes questionaram o que a metrópole impunha como sendo inquestionável”, escreve o maçom Raymundo Vargas. Eles não teriam planejado uma revolta se não tivessem certeza de que os “irmãos” americanos prestariam auxílio ao restante do continente. O projeto também incluía a Europa, e a França foi o palco escolhido para os contatos que uniriam o Brasil “ao elo dessa corrente universal de liberdade”.
A narrativa maçônica apresenta-se confusa para aqueles que sabem que a instituição foi fundada no Brasil em 1801. A Inconfidência poderia caracterizar-se como um movimento maçônico se ainda não havia lojas no Brasil? De acordo com seus escritores, haveria, sim, centenas de maçons organizados em lojas, mas estas funcionavam clandestinamente, já que a ordem se encontrava proibida pela legislação portuguesa.
O relato que inaugurou a crença em uma Inconfidência de caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos, que, curiosamente, não era maçom. Em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio (1924), ele escreve que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Com base nessa passagem, estudiosos, maçons ou não, começaram a associar automaticamente a Inconfidência à maçonaria. Surgiu a crença de que Tiradentes, que ia muito à Bahia para refazer o sortimento de mercadorias de seu negócio, acabou, numa de suas viagens, tornando-se maçom. Ele seria o responsável pela criação de uma loja maçônica, local onde os conjurados teriam sido iniciados na organização, “introduzida por Tiradentes quando por aqui passava vindo da Bahia para Vila Rica”, escreve Tenório D’Albuquerque.
Prova maior da importância do triângulo como símbolo maçônico teria se dado no momento da execução de Tiradentes, quando o maçom e capitão Luiz Benedito de Castro não distribuiu as tropas em círculo como de costume, e sim formou um triângulo humano em torno do patíbulo. A multidão “não poderia compreender o significado simbólico daquele triângulo, mas Tiradentes, no centro dele, compreendia aquela última e singela homenagem”, descreve Raymundo Vargas.
Finalmente, as narrativas maçônicas encontram explicação também para um instigante mistério: o sumiço da cabeça de Tiradentes. A urna funerária contendo a cabeça do herói da Inconfidência teria sido retirada secretamente às altas horas da noite pelos irmãos maçons remanescentes do movimento. O roubo da cabeça seria, segundo Raymundo Vargas, uma das primeiras afrontas da maçonaria às autoridades repressoras portuguesas, mostrando-lhes que “a luta só começava”. Segundo autores maçons, não teria sido por acaso que, no mesmo local onde a cabeça de Tiradentes fora exposta, o então presidente da província mineira e grão-mestre da maçonaria brasileira em 1874 Joaquim Saldanha Marinho, em 3 de abril de 1867 ergueu uma coluna de pedra em memória do mártir maçom.
Vários outros aspectos da Inconfidência foram trabalhados pelos autores ligados à organização, tais como a personalidade maçônica do Visconde de Barbacena ou as “irrefutáveis” provas da viagem de Tiradentes à Europa para fazer contato com seus irmãos da ordem. Percebe-se que a maçonaria, por meio de seus intelectuais, construiu uma série de argumentos para não deixar dúvida quanto ao papel de destaque dessa instituição no desenrolar de todos os fatos da Conjuração. Recentemente, surgiram alguns trabalhos elaborados por historiadores maçons mais criteriosos que refutam muitas das teses aqui apresentadas. Contudo, estes ainda não foram suficientes para derrubar do imaginário maçônico a figura do herói mineiro.
De fato, existem vestígios de que maçons passaram pelas Minas setecentistas. Analisando os processos inquisitoriais luso-brasileiros de fins do século XVIII e início do XIX, encontram-se denúncias contra mineiros de Vila Rica e do Tijuco, acusados de libertinos, heréticos e maçons. Sabe-se também que muitos estudantes brasileiros em Coimbra e Montpellier iniciaram-se na maçonaria européia e trouxeram seus valores e idéias para o Brasil. Alguns deles, como José Álvares Maciel e Domingos Vidal, ajudaram nos planos dos inconfidentes.
Para além da discussão da veracidade ou não desses relatos acerca da Inconfidência, é interessante perceber de que maneira a elaboração de tal narrativa histórica favorece a instituição dos pedreiros livres. Em diversos momentos, a presença da maçonaria em território brasileiro foi questionada. Com a proclamação da República, por exemplo, a Igreja Católica perdeu o título de religião oficial do Estado e, para tentar reaver sua influência política, reforçou o combate à organização. O catolicismo oficial passou a apresentar a maçonaria como uma sociedade “estranha” à cultura brasileira, vinda de fora, representante do imperialismo e, logo, uma ameaça à soberania nacional. Mais tarde, com esses argumentos, Getúlio Vargas a colocaria na ilegalidade.
Diante de situações como essas, tornou-se fundamental para a maçonaria apresentar-se à sociedade brasileira como uma instituição que, ao contrário do que dizem seus opositores, mostra se presente há tempos em nosso território e em nossa cultura. Assim, a narrativa da Inconfidência como um movimento maçônico pode ser denominada de “‘tradição inventada”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm que indica a criação de um passado com o qual se busca estabelecer uma continuidade. Construir por meio de uma historiografia uma tradição na qual os maçons teriam feito parte do momento fundador da nação brasileira é, sem dúvida, uma maneira de assegurar sua presença no Brasil. Ao associar a imagem de Tiradentes à sua, essa ordem passa a ser lembrada como a defensora dos nobres valores carregados pelo herói nacional. Mais do que uma forma de defesa, a apropriação maçônica da simbologia da Inconfidência lhe dá legitimidade perante a sociedade. Por ora, a estratégia teve êxito na medida em que a insurreição de 1789 e a atuação maçônica encontram-se, ainda hoje, intimamente associadas no imaginário popular.
A BANDEIRA MINEIRA
A origem da bandeira de Minas Gerais é mais uma prova, para os maçons, do envolvimento desta organização na Inconfidência. “Se ainda ao mais incrédulo dos incrédulos restasse um resquício de dúvida quanto à origem maçônica da Inconfidência Mineira, bastaria contemplar-lhe a bandeira”, afirma Tenório D’Albuquerque, em A bandeira maçônica dos inconfidentes. Utilizando como disfarce a idéia da Santíssima Trindade, o triângulo representaria, na verdade, a sagrada trindade da maçonaria: liberdade, igualdade e fraternidade. No interrogatório relatado nos autos da devassa, ao ser perguntado sobre o significado da bandeira, Tiradentes teria respondido “sagrada trindade” e não “santíssima”. Tal detalhe supostamente passou despercebido ao escrivão.
DISCORDÂNCIA ENTRE OS HISTORIADORES
A historiografia acadêmica encontra-se longe de um consenso acerca da participação ou não da maçonaria na Inconfidência. As hipóteses vão desde o papel central dos maçons na elaboração dos planos do levante até a negação total de sua influência na Conjuração.
Augusto de Lima Júnior ressalta o papel da maçonaria ao percebê-la como um importante elemento de ligação e comunicação dos inconfidentes com os grupos de apoio no Rio de Janeiro e na Europa. Em posição oposta está Lúcio José dos Santos, alegando que o fato de não haver nenhum vestígio da ação propriamente maçônica nos autos da devassa seria a maior prova da ausência dessa sociedade na Inconfidência. Também argumenta que, se a maçonaria possuísse prestígio suficiente a ponto de ser a idealizadora do movimento, ela teria tido forças para impedir a condenação de seus membros. Finalmente, a meio-termo entre as duas opiniões encontra-se Márcio Jardim, para quem a atuação maçônica teria sido importante, mas secundária: seu papel seria apenas o de aglutinar pessoas e idéias. O autor observa, ainda, como a maçonaria dos dias atuais se apropria da figura de Tiradentes, o que revelaria um desejo de mostrar poder acima do comum, causando lhe surpresa o fato de “boatos sobreviverem ao tempo e à evidência das provas contrárias”.
Françoise Jean de Oliveira Souza é doutoranda em história pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora da dissertação Vozes maçônicas na Província Mineira – 1869-1889, UFMG, 2004.